terça-feira, 12 de outubro de 2010

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

ANULA BRASIL! (PARTE 2)




É claro que o tratamento dispensado ao instituto da nulidade das cédulas eleitorais foi substancialmente descaracterizado com a implementação da votação por meio eletrônico.
Entendemos que não há razão jurídica de ser deste tratamento, uma vez que, com o advento da Urna Eletrônica, houve a substituição da cédula real (de papel), por uma cédula virtual (no teclado e tela da urna).

Assim sendo, todas as possibilidades de voto para o eleitor deveriam ter sido mantidas, incluindo-se também um dispositivo (botão) para que, acaso desejasse, atribuir ao seu voto o caráter de "Nulo".
Fazer a democracia acontecer não se restringe apenas a escolher dentre os candidatos que se dispuseram a concorrer, mas em manifestar o eleitor integralmente a sua opinião, desde que de modo juridicamente admissível.

Pois bem, urge questionar se acaso ainda seria possível ao eleitor "anular" seu voto nos mesmos moldes. Embora não exista qualquer botão para que seja expressamente anulado o voto, a despeito do que ocorre com o voto em branco, será possível ao eleitor que anule seu voto, bastando que digite número não cadastrado para algum candidato e depois pressionando a tecla confirma.


É fato que a inexistência de mecanismo explícito de escolha de nulidade da cédula pelo eleitor, aliada à falta de esclarecimentos por quem de direito quanto aos efeitos deste, tornam esta possibilidade quase que letra morta. Além de diversos fatores, que vão desde a satanização popular desta modalidade de voto até a falta de orientação ao eleitor acerca dos efeitos do voto nulo. Entretanto, entendemos ser plenamente possível que um cidadão de bem, consciente da importância de sua escolha, decida por anular seu voto, pois não concorda com as propostas de nenhum dos candidatos.

Embora o eleitor seja levado, erroneamente, à conclusão de que os votos brancos e nulos trarão as mesmas implicações, eles terão efeitos diametralmente opostos, conforme demonstraremos abaixo.

Enquanto os votos em branco serão apenas descartados quando da contagem do total, os votos nulos poderão ter efeitos surpreendentes para a maioria das pessoas: o de causar a nulidade do pleito eleitoral e a realização de um novo.

Dispõe o artigo 224 do Código Eleitoral:

Art. 224.Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do País nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais, ou do Município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações, e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.

1ºSe o Tribunal Regional, na área de sua competência, deixar de cumprir o disposto neste artigo, o Procurador Regional levará o fato ao conhecimento do Procurador-Geral, que providenciará junto ao Tribunal Superior para que seja marcada imediatamente nova eleição.

2º Ocorrendo qualquer dos casos previstos neste Capítulo, o Ministério Público promoverá, imediatamente, a punição dos culpados.


Basta simples leitura do caput do artigo acima para compreender que se mais da metade dos votos em eleição majoritária forem nulos, aquele pleito restará prejudicado, sendo necessária à convocação de novas eleições.

Poderia ser questionada também quanto a eventual incompatibilidade desta norma com o disposto no artigo 77, § 2º de nossa Carta Magna, que dispõe:

Art. 77. A eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República realizar-se-á, simultaneamente, no primeiro domingo de outubro, em primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo turno, se houver, do ano anterior ao do término do mandato presidencial vigente. (Redação da EC nº 16/97)

(...)

2º - Será considerado eleito Presidente o candidato que, registrado por partido político, obtiver a maioria absoluta de votos, não computados os em branco e os nulos.

A citada incompatibilidade estaria no fato da norma Constitucional não fazer qualquer ressalva à quantidade de votos nulos na eleição presidencial, apenas mencionando que estes não serão computados no total.

Neste ponto, já se manifestou o Supremo Tribunal Federal, para distinguir que se tratam de dois momentos distintos de avaliação dos votos nulos do pleito. Na primeira oportunidade, verifica-se o percentual destes: caso seja inferior à metade do total, passa-se à exclusão destes do total, nos termos do artigo 77, § 2º da Constituição da República.

Cumpre trazer à baila a citada decisão:
"Eleições majoritárias: nulidade: maioria de votos nulos, como tais entendidos os dados a candidatos cujo registro fora indeferido: incidência do art. 224 do Código Eleitoral, recebido pela Constituição.

O art. 77, § 2º, da Constituição Federal, ao definir a maioria absoluta, trata de estabelecer critério para a proclamação do eleito, no primeiro turno das eleições majoritárias a ela sujeitas; mas, é óbvio, não se cogita de proclamação de resultado eleitoral antes de verificada a validade das eleições; e sobre a validade da eleição — pressuposto da proclamação do seu resultado, é que versa o art. 224 do Código Eleitoral, ao reclamar, sob pena da renovação do pleito, que a maioria absoluta dos votos não seja de votos nulos; as duas normas — de cuja compatibilidade se questiona — regem, pois, dois momentos lógica e juridicamente inconfundíveis da apuração do processo eleitoral; ora, pressuposto do conflito material de normas é a identidade ou a superposição, ainda que parcial, do seu objeto normativo: preceitos que regem matérias diversas não entram em conflito." (RMS 23.234, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 20/11/98).

O fato é que a norma eleitoral não afronta a Lei Maior; ao contrário disso, relaciona-se com esta em perfeita relação simbiótica. Verificada a nulidade de mais da metade das cédulas, como já mencionado, haverá que ser realizada nova eleição.
Mas não é mera repetição da votação: dar-se-á início a novo processo eleitoral, inclusive com a escolha, pelos partidos, de candidatos diferentes para concorrer ao cargo almejado.

Ora, caso apenas fossem realizadas novas eleições, com iguais candidatos, seria criado um impasse e, provavelmente, nenhum efeito teria esta nova eleição, visto que o povo já manifestara sua vontade e haveria de manifestar novamente, ou seja, a nova eleição também seria acometida de nulidade em mais da metade.

Por conta disso é que devem ser novamente escolhidos pelos partidos novos candidatos para concorrer ao pleito. Assim já decidiu o tribunal Superior Eleitoral:


MANDADO DE SEGURANCA. NULIDADE DA VOTACAO. RENOVACAO DO PLEITO.

1.IDONEIDADE DO WRIT PARA IMPUGNAR ACORDAO REGIONAL QUE, DEIXANDO DE DECLARAR A NULIDADE DA ELEICAO MUNICIPAL NOS TERMOS DO ART. 224 DO CE, OFENDEU DIREITO LIQUIDO E CERTO DO PARTIDO IMPETRANTE DE CONCORRER A UMA NOVA ELEICAO.

(...)
 3.OS CANDIDATOS A NOVA ELEICAO SERAO LIVREMENTE ESCOLHIDOS PELAS CONVENCOES MUNICIPAIS DOS PARTIDOS INTERESSADOS, DEVENDO O PROCESSO DE REGISTRO E IMPUGNACAO SUJEITAR-SE AOS PRAZOS FIXADOS NAS INSTRUCOES EXPEDIDAS PELO TRE.

(Relatora JOSÉ MARIA DE SOUZA ANDRADE- Mandado de Segurança nº601- BEL - Boletim Eleitoral, Volume 387, Tomo 1, Página 35- DJ - Diário de Justiça, Data 24/06/1983, Página 1)

Com isso, espero ter demonstrado que a nulidade da cédula eleitoral, ao contrário de abstenção do dever e direito de escolha, pode ser meio de decisão, devendo, pois, ser respeitado como tal.

E.S.G.